PROJETO SABIÁ LARANJEIRA NO BJ - II



Propostas foram aplicadas em concerto do projeto Sabiá Laranjeira, que leva apresentações musicais didáticas para escolas de São Paulo 


“Faz sentido os surdos assistirem a um concerto? Existe espaço para a pessoa surda na música?” Foi a partir dessa pergunta que Fábio Ferreira, estudante de licenciatura em música, desenvolveu seu Trabalho de Conclusão de Curso. Membro e um dos impulsionadores do projeto Sabiá Laranjeira, que promove apresentações musicais didáticas em escolas públicas, Fábio ouviu a questão de uma colega, diante das dificuldades para garantir a inclusão de um estudante surdo nas conversas sobre música realizadas a cada apresentação na Escola Estadual Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque e Mello, uma das escolas públicas participantes do projeto. 

“Percebi que o projeto deveria construir práticas de acessibilidade de concertos para surdos, e que se não houvesse esse tipo de iniciativa por meio de pesquisa, os estudantes surdos seriam sempre excluídos em nossos concertos”, afirma Fábio. Contando com a orientação da professora Karina Soledad Maldonado Molina, da Faculdade de Educação, ele deu início a uma investigação sobre práticas musicais e processos educativos envolvendo pessoas surdas, que levou à elaboração de seis práticas para possibilitar maior acessibilidade para surdos em concertos do Sabiá Laranjeira: 

1. Garantir a presença do intérprete de Libras no concerto;
2. Fornecer subsídios suficientes para que o intérprete seja apresentado aos assuntos do concerto;
3. Tornar o material de apoio mais acessível ao estudante surdo;
4. Reservar a primeira fileira para o(s) estudante(s) surdo(s) e intérpretes da escola;
5. Possibilitar que o estudante surdo encoste nos instrumentos enquanto os músicos tocam;
6. Colher depoimentos dos estudantes surdos e intérpretes acerca do evento.
No dia 24 de abril de 2019, de volta à EE Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque e Mello para mais um concerto, todas estas práticas foram aplicadas. Com essa experiência, Fábio entendeu que basta tornar a experiência musical acessível para que pessoas com surdez comecem a construir conceitos musicais por si próprias: “foi no momento em que os músicos tocavam, quando os estudantes surdos repousavam as mãos sobre o violino, a viola e o violoncelo, e começavam a conversar/sinalizar sobre as sensações, que entendi que a música não é uma arte restrita aos ouvintes”. 

Foto: Divulgação/ Projeto Sabiá Laranjeira

Durante o processo de elaboração do TCC, Fábio também se deu conta de como o “modo ouvinte” de viver é constantemente imposto aos surdos. Com frequência, as pessoas com surdez são consideradas incapazes e desprovidas de habilidades, predominando ainda hoje a noção de que elas precisam ser ensinadas a funcionar como ouvintes. O resultado é a negação de uma condição fundamental que define a relação destas pessoas com o mundo ao redor, impedindo que elas possam explorar e compreender as singularidades desta condição e assim se tornarem protagonistas de suas próprias experiências. Para Fábio, as práticas de acessibilidade nos concertos ajudam a possibilitar este protagonismo. 

A realização do trabalho também revelou para o estudante o quanto a inclusão de pessoas com surdez precisa avançar dentro da própria Universidade. Tanto nos concertos quanto na apresentação do TCC – cuja banca contou com a presença do professor da Unifesp Márcio Hollosi, surdo –, Fábio encontrou obstáculos burocráticos e práticos para contratar intérpretes de Libras. Acabou pagando-os com dinheiro do próprio bolso. A isso, somou-se a dificuldade para localizar intérpretes com conhecimentos musicais e acadêmicos específicos, o que prejudicou a efetividade da comunicação entre surdos e ouvintes em alguns momentos. 

Fábio avalia que as medidas de acessibilidade propostas podem ainda ser aprimoradas. Para isso, os depoimentos dos estudantes surdos serão o principal recurso. “É principalmente por meio da perspectiva dos estudantes surdos que poderemos identificar as lacunas que o trabalho ainda apresenta, uma vez que nossa condição de ouvinte não permite esse olhar tão diferente e único dos surdos.”

Foto: Divulgação/ Projeto Sabiá Laranjeira

Ao ressaltar que a participação ativa dos alunos é um dos diferenciais do projeto Sabiá Laranjeira, Fábio lembra a importância do diálogo com esses estudantes para desmistificar a música e o que os alunos surdos podem acrescentar nesta conversa: “os estudantes surdos possuem inúmeras elaborações que podem ser inéditas aos ouvidos dos universitários. A opinião do surdo, que durante muitos anos não foi ouvida, é relevante para a formação dos graduandos, uma vez que, em passos curtos mas significativos, os surdos estão ocupando e participando de ambientes musicais.”


Foto de capa: Divulgação/ Projeto Sabiá Laranjeira


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